O Hobbit foi meu Harry Potter.
J.R.R Tolkien foi minha J.K. Rowling. Esse foi o livro que, quando eu era moleque, me fez gostar de Literatura e perceber que podia ser divertida. (Até então preferia ler gibis…)
Ouvi falar que era “a obra que inspirou o RPG” e, como o bom nerd que sou, fui atrás.
Tudo isso só foi possível por causa do hype trazido na época pela então iminente adaptação cinematográfica que Peter Jackson faria de sua continuação: O Senhor Dos Anéis.
Porém, confesso que quando soube que O Hobbit se tornaria uma trilogia nos cinemas, torci o nariz. Não porque eu tenha algo contra um diretor repetir uma fórmula. (e ganhar muita, muita grana com isso, em meio ao processo.)
Impliquei com o anúncio pensando numa questão de adaptação.
Durante toda minha adolescência (quando “complexo” e “maior” eram sinônimo de “melhor”.) sempre considerei OSdA um livro de qualidade muito superior ao Hobbit. Hoje essa perspectiva se inverteu.
OSdA é uma história com um mérito inquestionável, mas com uma narrativa que se perde em meio ao universo ficcional criado pelo escritor. É tão arrastada e tortuosa quanto a viagem dos personagens. Não é segredo que o próprio Tolkien ficou com ela engavetada durante muito tempo, deixando-a pela metade, sem saber exatamente como continuar. Sou partidário daqueles que afirmam que Jackson a contou de uma maneira melhor, nas telonas.
Por outro lado, O Hobbit (ao contrário de OSdA) é uma fantasia muito mais ágil e despretensiosa. Tal qual sua sucessora, é uma espécie de road trip medieval onde um aventureiro relutante é empurrado para uma grande odisséia.
Mas no lugar de Frodo e sua saga heróica para destruir o Um Anel e salvar o mundo, aqui temos seu tio, Bilbo Bolseiro, arrastado pelo mago Gandalf e uma trupe de anões malucos numa jornada para roubar o tesouro de um dragão.
A história se desenvolve com naturalidade, Bilbo se vendo forçado a lidar com uma série de situações e personagens bizarros ao longo do caminho.
O tom é totalmente diferente de OSdA, bem mais leve.
Gandalf é só uma sombra, desaparecendo a toda hora para ir resolver problemas mais urgentes. (Problemas que não interessam para o que está sendo contado!). O anel era mostrado como um simples item mágico que confere o poder de invisibilidade. Só há uma grande batalha e ela é guardada para o final do livro, quando se encerra como uma pequena fábula sobre a cobiça humana.
Não tenho dúvidas que roteiristas e uma equipe criativa competente podem muito bem fazer um único livro funcionar em três atos, sem necessariamente deixar a coisa“esticada”.
No entanto, meu medo é que Jackson, ao transformar tudo num grande épico, pode acabar fazendo uma “Senhordosanéisignificação” de O Hobbit. Apagar o clima do original.
Ou melhor dizendo, esse era o meu temor.
Cheguei a conclusão que esse tipo de preocupação é uma grande bobagem.
Quer saber? E daí que a nova versão pode ficar mais enraízada no imaginário do público do que a do livro? Se Peter Jackson fizer filmes excelentes (e ele certamente tem capacidade para isso) está mais do que perdoado.
E se os filmes forem absurdamente diferentes da obra original? Melhor!
Com certeza isso incentivará ainda mais pessoas a lerem esse clássico do que uma adaptação mais purista e ao pé da letra.
Agora pare e reflita: Isso não é bom?!
De qualquer maneira, quem ainda não conhece O Hobbit e quer apreciar essa leitura sem as imagens dos novos filmes já entranhadas dentro da cabeça, ainda tem tempo de ler até a estréia em dezembro.
Afinal, ao contrário de OSdA, é um único livro e não uma saga gigante! 😉
J.R.R. Tolkien. O Hobbit. Martins Fontes. 320 páginas.R$ 53,30.
Muito bom o Review. Pra mim, só faltou dizer que a história central (plot) foi baseada no Mito de Gyges, de Platão.
http://pt.wikipedia.org/wiki/Anel_de_Gyges