segunda-feira, dezembro 23, 2024
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Crítica | Vidas Passadas

Intenso e com reflexões para uma vida inteira, o filme Vidas Passadas chegou de maneira tímida nos cinemas brasileiros. Premiado e concorrendo ao Oscar como Melhor Filme e Melhor Roteiro, a produção assinada Celine Song é uma prova que a vida sempre pode nos surpreender com fatos e momentos que cruzam em nossa jornada e não fazem sentido ali, ao mesmo tempo que fazem sentido como um todo.

Trazendo recortes visivelmente influenciados na própria vida da diretora e roteirista, Vidas Passadas tem no elenco Greta Lee, Teo Yoo e John Magaro. Para fãs de Morning Show da Apple TV+, provavelmente irão reconhecer Greta Lee de lá, enquanto Teo Yoo, os fãs de K-dramas como Vagabond e Chocolate irão facilmente reconhecer o ator, por fim o John Magaro também não é um rosto desconhecido, atuando The Umbrella Academy para a Netflix. Vale aqui fazer um adendo que inicialmente esse filme teria Choi Woo-shik, sendo que com o cronograma afetado na pandemia, acabou sendo substituído pelo Teo Yoo, o ator é conhecido internacionalmente por Parasita e Invasão Zumbi (Train to Busan).

Mas retornando aqui a Vidas Passadas, a produção é das CJ ENM, Killer Films e 2AM com distribuição da A24. E se for para classificar um gênero aqui, o filme passa pelo romance, mas principalmente optando por uma trama cotidiana.

A história de ‘Vidas Passadas’

Começando em 2000, a história se situa em Seul, Coréia do Sul, apresentando Na Young e o Hae Sung que eram colegas de escola, ambos com 12 anos mais ou menos. Rolava aquele clima entre eles, sabe? Jovens que competiam por nota mais alta da escola, ao mesmo tempo que existia um flerte juvenil entre os dois.

Só que as coisas irão mudar com os pais da Na Young decidindo ir morar no Canadá. Tamanha mudança afetaria a vida dos dois para sempre, pensando nisso os pais acabam arranjando um encontro dos dois jovens antes que ela se mude.

A mudança faz com que os dois percam contato e a Na Young também muda seu nome, passando a se chamar Nora Moon. Paralelo a isso, temos os dois jovens separados, sendo que Nora percebe que não tem mais ninguém para se proteger a escola nova, assim avançamos no tempo.

O segundo ato da história é em 2012, começando com Hae Sung já adulto e terminando o serviço militar obrigatório na Coreia do Sul. Na mesma sintonia, Nora já não morava mais no Canadá e aqui estava nos EUA, mais precisamente em Nova York. Um dia, a Nora descobre pelo Facebook que o Hae Sung tá procurando pela Na Young pela página do pai dela, sem nem imaginar que ela mudou de nome. 

Num clima de Mensagem Para Você, Nora Moon e Hae Sung se conectam via Skype, conversando sobre o tempo que passou, além de ter o costume de conversar quase todos os dias. Tentando ajustar o fuso horário, ambos conversam de madrugada em seus países, mantendo uma relação de amizade a flerte. Só que Nora Moon está se mudando para uma casa compartilhada com outros escritores e pede para se afastar do Hae Sung, num momento que ele estava indo para China estudar Mandarim e se planejava para visitar ela em um ano e meio, sendo que ela poderia ir em um ano. Paralelo a isso, Nora acaba conhecendo Arthur Zaturansky e rola um lance entre os dois, enquanto Hae Sung também acaba conhecendo uma garota.

Num terceiro ato, chegamos aos dias atuais e agora Arthur e a Nora estão 7 anos casados e vivem ainda em Nova York. O Hae Sung, solteiro, resolve ir até lá encontrá-la, depois de uma crise em seu relacionamento quando o assunto era se casar e todo o peso que ele vê na sociedade coreana em torno disso. 

Chegando em Nova York e sendo o amor de infância da Nora, Hae Sung enfrentará alguns desafios, inclusive o próprio Arthur que fica se questionando se ele não se tornaria um obstáculo na história de amor dos dois. Será que Nora não se casou com ele só pelo Green Card? Mas a Nora jura de pé junto que ama o Arthur, enquanto reencontra Hae Sung. Turistando com ele e passeando em lugares como a Estátua da Liberdade, fica a dúvida de como os dois funcionam bem juntos, mesmo tendo vidas completamente diferentes.

No dia seguinte, os três acabam saindo para jantar, depois do Arthur perguntar o que Hae Sung queria comer em Nova York e surpreender a todos que queria comer massa italiana. No restaurante, a Nora acaba traduzindo tudo para o Arthur, mas depois engata numa conversa com Hae Sung e só fala em coreano, deixando Arthur de lado. Ele fica naquela de imaginar o que eles eram um pro outro em vidas passadas e o que teria acontecido se ela nunca tivesse saído da Coreia do Sul. Aí, enquanto a Nora vai ao banheiro, o Hae Sung pede desculpa pro Arthur por ter falado só com ela, mas o Arthur fica de boa, até feliz por ter conhecido o cara.

Talvez aqui seja o momento mais aberto a leituras, por os três voltarem no apartamento e Hae Sung pegar suas malas e chamar um Uber para ir ao aeroporto. Fica claro ali que ele entendeu que por mais que ele e Nora funcionem muito bem juntos, ela tem sua vida ali em Nova York e que ele precisa encontrar a sua vida na Coreia do Sul. Ele ao abraçar ela, pergunta como seria diferente em uma outra reencarnação. O Hae Sung se despede com um “Te vejo então”, bastante similar a despedida em 2000, enquanto segue embora, Nora abraça Arthur e chora compulsivamente.

Sobre Inyeon

O conceito de 인연

Antes de mais nada, temos que dar uma breve explicação sobre a palavra 인연 (inyeon) falada entre Nora Moon e o Arthur. Utilizada para explicar o relacionamento entre Nora e Hae, a palavra veio do chinês 因緣 e segue as tradições coreanas.

Celine Song teria se baseado nesse conceito para escrever Vidas Passadas e ele pode ser traduzido como pessoas que tem um relacionamento predestinado, seja pelo destino ou em sua origem que vem do Budismo, tem a ver com a afinidade cármica, trazendo a cadeia de causa e efeito.

Nora resume a explicação da palavra como um xaveco entre coreanos nativos em que apenas a roupa das duas pessoas andando pela rua se encostarem, gera um efeito de um encontro predestinado no futuro. Ela insiste ao Arthur que não acredita nisso, ao mesmo tempo que se contradiz, dizendo que quando encontra Hae, ela se sente coreana, diferente quando encontra coreanos que vivem na América.

A explicação oficial vem do Wiktionary que linka com as variações da palavra em diversos países asiáticos, como China, Coreia do Sul, Japão e Vietnã.

Opinião

Hae Sung e Nora Moon trocam olhares intensos, mesmo nada sendo dito

O Vidas Passadas é um filme realista e sincero, que nem sempre acaba com o final feliz. Por mais que desejamos e temos ambição em ver um final que nos agrade, fica claro o tempo todo que Hae Sung e Nora Moon se flertam, mas não passam do respeito, principalmente por ela estar casada.

Simples e com diálogos direto ao ponto, Celine Song entrega uma história bastante natural e que flui num ritmo diferente de outros filmes. Muitas vezes vemos os personagens contemplando, respirando e pensando no que irão fazer a seguir, justamente como fazemos no nosso cotidiano.

Devo confessar que Greta Lee se saiu muito bem no papel, principalmente quando pensamos que nunca havíamos visto ela falar em coreano. Ela funciona com Teo Yoo numa química impressionante que faz com que torcemos o tempo todo para a personagem dela ignore as regras da sociedade e largue tudo para ir atrás de um grande amor.

A simplicidade do filme em tomadas, ângulos e cenários de Nova York faz com que nos sentimos telespectadores da cidade em torno do casal. Até mesmo em utilizar a narrativa de uma locutora para apresentar o trio, acaba reforçando a ideia que somos meros telespectadores dessa história de amor.

Uma boa história acaba no momento certo e faz com que imaginemos o que viria a seguir, por isso Vidas Passadas deixa dúvidas que fica no papel do telespectador em preencher essas lacunas. Será que Hae Sung foi atrás da ex-namorada para fazer as pazes? Será que Nora Moon e Arthur vão realmente visitar a Coreia do Sul com a intenção de reencontrar o Hae Sung? E quanto tempo terá passado? Ou será que o choro sincero de Nora Moon é ao perceber que foi uma despedida do seu amor de infância? Essas são apenas algumas perguntas que passam nas nossas cabeças, enquanto o letreiro aparece na tela, sinalizando que a história acabou ali, mas fica a seu critério em terminar ela da maneira que lhe for conveniente.

O filme entrega uma contemplação bastante rara nos cinemas, por isso Vidas Passadas está sendo comparado a produções, como (500) Dias com Ela. Tendo fundamento e talvez sendo um filme para ser indicado a pessoas que procuram produções desse tipo.

Distribuído no Brasil pela California Filmes, Vidas Passadas segue em exibição nos cinemas brasileiros.

Vidas Passadas

Direção: Celine Song
Elenco: Greta Lee, Teo Yoo, John Magaro
Países: EUA, Coreia do Sul
Direção de Fotografia: Shabier Kirchner
Música: Christopher Bear, Daniel Rossen
Montagem: Keith Fraase
Gênero: Drama, Romance
Ano: 2023
Duração: 105 minutos

Nota: 4,5 de 5

Giuliano Peccilli
Giuliano Peccillihttp://www.jwave.com.br
Editor do JWave, Podcaster e Gamer nas horas vagas. Também trabalhou na Anime Do, Anime Pró, Neo Tokyo e Nintendo World.

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