Na última noite de domingo (13), o Festival do Rio 2024 anunciou os grandes vencedores da 26ª edição do evento, e Ainda Não é Amanhã, dirigido por Milena Times, conquistou um dos prêmios mais esperados. A atriz Mayara Santos levou para casa o Troféu Redentor de Melhor Atriz, na seção Novos Rumos, que destaca novas vozes no cinema nacional. O reconhecimento aconteceu em uma cerimônia no tradicional Cine Odeon, com apresentações de Fabíola Nascimento e Juan Paiva, celebrando o talento emergente do cinema brasileiro.
Uma trama íntima sobre maternidade e desafios
O filme de Milena Times, que já havia chamado a atenção com os curtas Represa (2016) e Au Revoir (2013), é um drama que toca em temas delicados e atuais. A história acompanha Janaína (Mayara Santos), uma jovem de 18 anos que vive com a mãe (Clau Barros) e a avó (Cláudia Conceição) em um apartamento na periferia do Recife. Bolsista em uma faculdade de Direito, Janaína se prepara para ser a primeira pessoa da família a concluir um curso universitário, mas a descoberta de uma gravidez inesperada vira sua vida de cabeça para baixo.
Esse dilema traz à tona questões profundas sobre as escolhas de Janaína e as expectativas que recaem sobre ela. Ao mesmo tempo, o filme também explora o relacionamento entre as três gerações de mulheres da mesma família, que compartilham o pequeno espaço, mas também sonhos, frustrações e embates diários. A maternidade, no contexto do filme, aparece não como um destino obrigatório, mas como uma escolha, uma possibilidade que pode ser questionada e confrontada.
Mulheres e escolhas: o tom político da narrativa
Ainda Não é Amanhã não foge das questões sociais que permeiam a vida das mulheres no Brasil. Milena Times escolheu falar sobre a maternidade de forma crítica, ressaltando que, em muitos lugares do mundo, as mulheres optam pela interrupção voluntária da gravidez, independentemente de ser legalmente permitido. No Brasil, onde o aborto ainda é fortemente criminalizado, o filme toca em um ponto sensível: as consequências dessa proibição para mulheres de classes populares, que frequentemente enfrentam situações inseguras e desamparadas.
“A criminalização do aborto e o silêncio em torno dele só pioram a situação”, comenta Milena. Para a diretora, a abordagem do filme se alinha com o momento social e político do Brasil, onde direitos que já estavam assegurados começam a ser ameaçados. “Parece que, ao invés de avançar, estamos retrocedendo”, reflete.
A força do elenco e a construção da intimidade
Mayara Santos, premiada como Melhor Atriz no Festival do Rio, dá vida a uma Janaína sensível, forte e cheia de nuances. Sua performance não só conquistou os jurados, mas também marca um ponto alto da produção. Ao lado de Clau Barros e Cláudia Conceição, que interpretam mãe e avó da protagonista, o trio principal constrói uma relação autêntica, cheia de sutilezas e camadas.
Milena destaca que a conexão entre as atrizes surgiu de forma natural, mas foi intensificada durante um longo processo de preparação de elenco. A direção de Amanda Gabriel nessa etapa foi essencial para a criação da intimidade que permeia o filme.
Além disso, o filme é tecnicamente apurado. A fotografia de Linga Acácio captura a proximidade física e emocional das personagens, criando uma atmosfera que mergulha o espectador na vida de Janaína. O desenho de som, liderado por Martha Suzana e Nicolau Domingues, também trabalha a partir da sensorialidade, buscando expressar o turbilhão emocional vivido pela protagonista.
Uma trajetória premiada
Ainda Não é Amanhã não chegou ao Festival do Rio por acaso. O filme foi finalista do Prêmio Cabíria de Roteiros e passou por importantes laboratórios de desenvolvimento, como o BrLab e o Cabíria Lab. Antes de ser premiado no Rio, o projeto foi apresentado como work in progress em eventos como o Conexão Brasil Cinemundi, na Mostra de Tiradentes 2024, e o Copia Final, do Ventana Sur 2023.
Com patrocínios e apoios de diversas instituições culturais, como a Ancine, o Funcultura de Pernambuco e a Secretaria de Cultura do Recife, o longa é um exemplo da força do cinema regional e das novas produções independentes brasileiras.
Com uma narrativa delicada e politicamente afiada, Ainda Não é Amanhã fala sobre maternidade, escolhas e as pressões que as mulheres enfrentam em um país desigual. O filme vai além de retratar uma história individual, explorando questões sociais de grande relevância. A vitória de Mayara Santos no Festival do Rio é um reflexo da força desse projeto, que certamente seguirá conquistando plateias e prêmios no Brasil e no mundo.
Em 77 minutos, Milena Times nos oferece um olhar íntimo e profundo sobre a vida de uma jovem mulher que está à beira de escolhas difíceis. Mais do que um filme sobre conflitos familiares, Ainda Não é Amanhã é um convite à reflexão sobre o futuro e sobre as possibilidades de mudança em uma sociedade conservadora.