O documentário Intervenção, dirigido por Gustavo Ribeiro, estreou no Brasil durante a 47ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Filmado ao longo de quatro anos, o longa captura o cotidiano dos moradores das favelas do Nove e da Linha, além do conjunto habitacional Cingapura Madeirite, todos localizados na Vila Leopoldina, zona oeste da capital paulista. Produzido pela Primo Filmes em parceria com o Instituto Galo da Manhã, Intervenção revela, com uma abordagem delicada e profunda, os desafios da urbanização dessas comunidades, enquanto enfrentam resistências vindas de moradores de áreas mais ricas ao redor.
Uma construção paciente e colaborativa
A ideia para o filme surgiu a partir de Elisa e Beatriz Bracher, que, junto com o produtor Matias Mariani, deram vida ao projeto. Elisa, que já possuía uma longa relação com a comunidade por meio da Escola Acaia, foi quem conectou Gustavo Ribeiro com os moradores. “Ela me apresentou às pessoas chave, e, aos poucos, fomos conquistando a confiança delas”, explica Ribeiro, destacando a importância desse processo de inserção para garantir a autenticidade do que foi filmado.
O documentário está intimamente ligado ao PIU (Planos de Intervenção Urbana), um projeto de urbanização das favelas que gerou um grande debate. A intenção inicial era mostrar os dois lados da história, incluindo os moradores que se opunham ao PIU. No entanto, a resistência dessas pessoas em participar acabou focando o filme quase exclusivamente nas perspectivas de quem vive na comunidade, sem deixar de explorar as tensões com os vizinhos mais abastados.
Retratando a vida na favela
Intervenção não se limita a entrevistas, mas também registra reuniões e assembleias públicas, onde as questões sobre a urbanização são discutidas. Um dos poucos depoimentos vindos de fora da comunidade é o de Adriana Fonseca, uma moradora favorável ao PIU, cuja participação traz uma nuance ao debate. Ainda assim, o filme é majoritariamente um olhar “de dentro”, capturando as vozes de quem vive na favela e sente o impacto direto das políticas urbanas.
A fotografia do documentário, assinada por Thomas Dupre, merece destaque. Sem iluminação extra e usando apenas luz natural, Dupre consegue trazer um retrato autêntico da vida na comunidade, com cenas que variam de momentos vibrantes a situações de extrema precariedade. A captação de som de Fernando Russo também contribui para essa imersão, capturando os sons que compõem o cotidiano do local.
Crises que revelam a vulnerabilidade
Dois eventos marcantes ocorreram durante as filmagens, ressaltando a fragilidade das condições de vida na comunidade. A primeira foi uma enchente que devastou a favela, deixando os moradores sem móveis, roupas ou documentos. “Foi doloroso ver as pessoas perdendo tudo e perceber que essa tragédia já havia ocorrido antes”, relembra Ribeiro.
O segundo evento foi a pandemia de COVID-19, que impactou profundamente a comunidade. As condições de moradia — casas pequenas e superlotadas — tornaram o isolamento social praticamente impossível. Esses momentos são emblemáticos, não apenas por escancarar a falta de políticas públicas, mas também por destacar a resiliência dos moradores.
Finalização e exibição
A montagem do filme, realizada por Marina Meliande e Hélio Villela Nunes, levou cerca de nove meses. Durante esse período, o PIU continuava a avançar, e, por isso, novas filmagens foram feitas, mantendo a obra sempre atualizada com os desdobramentos mais recentes. O ritmo da edição reflete a vida na comunidade, alternando entre cenas de calmaria e momentos de tensão.
Intervenção será exibido na Mostra de SP com sessões no Espaço Augusta 2 (sábado, 19, às 21h40), no Reserva Cultural 1 (segunda, 21, às 17h20) e no Cineclube Cortina (terça, 29, às 19h30). Além de abordar a urbanização, o documentário é um retrato íntimo e poderoso de uma comunidade que resiste e luta por melhores condições de vida. É um filme que certamente vai ecoar entre cinéfilos e interessados nas questões sociais urbanas do Brasil.
Intervenção
Direção: Gustavo Ribeiro
Produção: Primo Filmes & Instituto Galo da Manhã
Roteiro: Gustavo Ribeiro
Direção de Fotografia: Thomas Dupre
Montagem: Hélio Villela Nunes e Marina Meliande
Captação de Som: Fernando Russo
Duração: 96 minutos
Ano: 2024
País: Brasil