quinta-feira, dezembro 26, 2024
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Crítica | O estranho mundo de ‘O Clube das Mulheres de Negócios’

Provocativo, ousado e subversivo, O Clube das Mulheres de Negócios é o novo filme da diretora Anna Muylaert, que retorna após Alvorada e Que Horas Ela Volta?. Com humor ácido, o longa coloca mulheres no centro do poder, mas apresenta os defeitos do “machismo” devidamente adaptados ao universo feminino. A produção reúne diferentes gerações de atrizes, encabeçadas por Cristina Pereira, Louise Cardoso, Irene Ravache, Ítala Nandi, Grace Gianoukas e Katiuscia Canoro, entre outros grandes nomes.

Sem pudores, O Clube das Mulheres de Negócios disseca a sociedade brasileira e sua política, trazendo personagens que enfrentam o desafio de traduzir as diversas hierarquias que moldam a democracia no país. Com estreia nos cinemas, o longa é uma produção da Glaz com a África Filmes, Globo Filmes e Riofilme, sendo distribuído pela Vitrine Filmes.

A história

O filme começa com uma reunião extraordinária em um clube de elite formado por mulheres de diferentes frentes, de herdeiras a cantoras de funk. Elas foram convocadas pela presidente Cesárea (Cristina Pereira), que busca um investimento de 5 milhões para construir uma pista de dança.

O seleto clube é organizado por Brasília (Louise Cardoso), que cuida para que a reunião ocorra de forma discreta e funcional. Entre os membros mais influentes está Norma (Irene Ravache), que vive uma crise em seu casamento com o marido (André Abujamra).

Entre as novas participantes, destaca-se a funkeira Kika (Polly Marinho), que tem capacidade de contribuir financeiramente, mas que entra em conflito com as herdeiras mais tradicionais, como Yolanda (Grace Gianoukas), que está casada com o jovem Jadeson (Tales Ordakji).

A diversidade do grupo é ampliada por Zarife (Katiuscia Canoro), uma mulher escandalosa e irreverente, que está sempre acompanhada de suas sobrinhas (Maria Bopp e Verônica Debom). Zarife não mede palavras e faz poses provocativas, desafiando constantemente os padrões esperados.

É nesse contexto de poderosas mulheres que os jornalistas Candinho (Rafael Vitti) e Jongo (Luis Miranda) são inseridos. Eles chegam para entrevistar as integrantes do clube, mas a presença de Candinho logo é questionada por Jongo, que duvida de sua experiência. Candinho se defende mencionando sua formação e reuniões com a editora-chefe, mas a situação muda quando as mulheres descobrem que ele é neto de Cesárea, passando a tratá-lo como uma figura familiar e inofensiva.

Após a reunião, em que discutem o financiamento do novo empreendimento de Cesárea – que Norma comenta poderia ter sido resolvida por WhatsApp –, todas seguem para um almoço luxuoso no clube fechado.

Paralelamente, surge a revelação de que o clube mantém um onçário com 11 felinos. Quando se descobre que três onças fugiram, Cesárea minimiza o problema, assegurando que drones estão monitorando o local para garantir a segurança.

O filme ganha tons mais polêmicos quando Candinho entrevista Yolanda. Durante a conversa, ele tenta abordar temas delicados, mas a situação desanda quando Yolanda o constrange com um comportamento sexualmente abusivo, deixando-o abalado. Candinho corre para o banheiro em desespero e, ao relatar o ocorrido à avó Cesárea, recebe pouca empatia. Jongo menciona brevemente um movimento de homens que enfrentam situações similares, insinuando uma inversão do Me Too.

Mudança de tom para o thriller

A partir daí, O Clube das Mulheres de Negócios muda de tom, passando da crítica social para um thriller de terror. Jongo descobre que um funcionário foi morto por uma das onças e inicia uma investigação. Apesar das tentativas de Cesárea de distraí-lo, oferecendo um cargo como fotógrafo na revista do clube, ele persiste em desvendar o caso.

Enquanto isso, novos conflitos emergem. O cachorro de Kika é atacado, levando-a a abandonar o clube em um helicóptero, mas não sem antes alertar as mulheres sobre o perigo crescente. A trama se transforma em uma busca desesperada para evitar que as onças ataquem os membros do clube, resultando em um caos absoluto.

Opinião

Ao trazer uma crítica social com a inversão de papéis de gênero, O Clube das Mulheres de Negócios chama atenção por sua ousadia. Sob a direção de Anna Muylaert, conhecida por obras como Que Horas Ela Volta?, o filme eleva o interesse ao reunir um elenco estrelado. Ver tantas atrizes icônicas juntas é um espetáculo por si só.

Os momentos mais impactantes destacam a vulnerabilidade de Candinho ao sofrer assédio e a negligência da situação por parte das figuras de poder. Essas cenas servem como espelho de situações vividas por inúmeras mulheres no mundo real, trazendo um toque de ironia.

O filme, contudo, perde força ao migrar para o gênero do terror, deixando de lado sua estrutura crítica. Plots secundários, como a possível venda do clube para uma igreja representada pela Bispa Patrícia (Shirley Cruz), se diluem em meio à confusão da fuga das onças. Apesar de bem executada, a computação gráfica para os felinos não compensa a perda do foco narrativo.

A crítica de O Clube das Mulheres de Negócios ganha mais profundidade quando Cesárea explica a Candinho como o Brasil foi moldado por uma democracia que mascara abusos de poder. Esta cena é um dos pontos altos do filme, pela sua clareza e significado.

Por outro lado, a metáfora com a nota de 50 reais e as onças soa excessivamente didática. A personagem Brasília, por exemplo, foge com uma mala contendo 5 milhões em cédulas de 50, tornando a mensagem explícita demais.

O filme acerta em subverter padrões ao apresentar garçons vestindo shorts curtos, algo frequentemente associado às mulheres. Além disso, as tramas que envolvem Yolanda e Donatela (Ítala Nandi), casadas com homens mais jovens, levantam questões sobre poder e sexualidade, mas algumas situações beiram o exagero e talvez percam significado, por já ter sido explorado antes em outras mídias.

Por fim, embora o filme surpreenda ao mostrar os personagens masculinos fugindo no clímax, reforçando a inversão de valores, ele falha ao explicar demais sua crítica, privando o público de uma reflexão mais subjetiva.

Com roteiro assinado por Muylaert, Gabriel Domingues e Suzana Pires, o longa é rico em subtramas e personagens, mas sua duração e talvez até o seu formato, alterado para minissérie, poderia explorar melhor tudo que foi construído aqui.

O Clube das Mulheres de Negócios é uma obra provocativa e criativa que mistura humor ácido com uma crítica contundente ao machismo, patriarcado e desigualdades de poder. Apesar de tropeçar ao mudar de tom, é um filme que vale a pena ser assistido por sua coragem em abordar temas sensíveis de maneira ousada e reflexiva. No entanto, é preciso aceitar que nem todas as questões serão resolvidas.

Nota: 3,5 de 5

O Clube das Mulheres de Negócios

Direção: Anna Muylaert

Roteiro: Anna Muylaert, Gabriel Domingues, Suzana Pires

Produção: Glaz, África Filmes, Globo Filmes, Riofilme

Distribuição: Vitrine Filmes

Direção de Arte: Juliana Ribeiro

Fotografia: Bárbara Alvarez

Gênero: Comédia, Crítica Social, Thriller

Elenco Principal:
Cristina Pereira, Louise Cardoso, Irene Ravache, Ítala Nandi, Grace Gianoukas, Katiuscia Canoro, Polly Marinho, Rafael Vitti, Luis Miranda, Shirley Cruz, André Abujamra, Tales Ordakji, Maria Bopp, Verônica Debom.

Agradecimentos a Vitrine Filmes pelo convite a cabine de imprensa para produção de conteúdo

Giuliano Peccilli
Giuliano Peccillihttp://www.jwave.com.br
Editor do JWave, Podcaster e Gamer nas horas vagas. Também trabalhou na Anime Do, Anime Pró, Neo Tokyo e Nintendo World.

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