A partir desta quinta-feira, os cinemas recebem Empate, o documentário dirigido por Sérgio de Carvalho, que revisita a luta do movimento seringueiro nas décadas de 70 e 80 no Acre. Exibido na 22ª Mostra de Tiradentes, o longa se destaca não só pelo tema político e ambiental, mas também pela sua profundidade emocional e narrativa, que investiga o legado de Chico Mendes e o impacto de sua morte, 30 anos após o seu assassinato.
A Luta que Não Acabou
O filme é fruto de uma parceria entre Sérgio de Carvalho e Elenira Mendes, filha de Chico Mendes. O projeto nasceu em um momento de reflexão sobre a memória do líder seringueiro, especialmente após o vigésimo aniversário de sua morte. Elenira buscava criar uma obra que não se limitasse à figura heroica de seu pai, mas que também iluminasse o percurso dos companheiros que, ao lado de Chico, resistiram aos poderosos interesses do agronegócio e às forças do Estado.
Carvalho, que mora no Acre há mais de 20 anos, estabelece uma conexão íntima com a história dos seringueiros e sua luta pela preservação da floresta. Ele teve a oportunidade de se aproximar dos antigos aliados de Chico, cujas histórias são a espinha dorsal do filme. “Essas pessoas são incríveis. Sempre que estou com elas, aprendo algo novo sobre a relação que têm com a floresta e a capacidade de organização”, explica o diretor, que busca mostrar a resistência contínua dos personagens, que seguem na linha de frente contra o desmatamento e as pressões externas.
Uma História de Resistência e Esperança
A narrativa de Empate não se limita à lembrança do passado. Ela se expande para o presente, onde a Reserva Extrativista Chico Mendes enfrenta ameaças constantes, como a tentativa de redução de seu território e a chegada de fazendeiros e latifundiários de estados vizinhos, principalmente de Rondônia. Essas incursões trazem consigo uma cultura de exploração predatória que ameaça não apenas o ecossistema, mas também o modo de vida dos moradores da reserva. Além disso, a crise ambiental, acentuada pelas mudanças climáticas, torna a situação ainda mais grave, com a escassez de água se tornando um problema inesperado na região.
A obra também se insere em um contexto político específico. Quando o filme foi filmado, em 2018, o Brasil enfrentava uma crise política e ambiental que culminaria na eleição de Jair Bolsonaro, cujas políticas de desmonte ambiental e apoio ao agronegócio trouxeram à tona questões que ainda estão em disputa. Carvalho destaca que Empate “captura aquele momento em que o ovo da serpente estava prestes a eclodir”, referindo-se ao cenário de crescente polarização e destruição que o país vivia e ainda vive.
A Construção do Filme
O trabalho de pesquisa de Beth Formaggini, co-roteirista ao lado de Sérgio de Carvalho, foi crucial para a construção do documentário. A pesquisa aprofundada e as filmagens ao longo de vários anos deram origem a um vasto material que foi refinado na montagem, conduzida por Lorena Ortiz. A edição do filme, segundo Carvalho, encontrou o equilíbrio necessário para contar uma história complexa, cheia de diferentes perspectivas e momentos históricos. “A montagem revelou muitos caminhos que o filme poderia seguir. Foi a Lorena, com sua sensibilidade, quem conseguiu encontrar a narrativa principal”, afirma o diretor.
Além disso, a trilha sonora de Felipe Kim e a colaboração do cineasta Leonardo Val, que dividiu a direção de fotografia com Pablo Paniagua, são elementos fundamentais que ajudam a transportar o espectador para o coração da floresta amazônica, onde se desenrolam as histórias de luta, resistência e superação.
Reflexões e Convidados à Ação
Mais do que um registro histórico, Empate é um convite à reflexão sobre o papel da resistência e da organização em tempos de adversidade. Como diz Sérgio de Carvalho, o filme é um “chamado à luta” que, a partir das histórias de resistência dos companheiros de Chico Mendes, nos convoca a refletir sobre as formas de opressão que ainda persistem e como a mobilização e a ação coletiva são essenciais para enfrentar tais desafios.
Ao longo do filme, os personagens não só narram suas memórias de resistência, mas também nos mostram o quanto a luta pela preservação da Amazônia e pela dignidade do povo seringueiro é uma luta global, que reverbera muito além das fronteiras do Acre.
Empate está disponível nos cinemas de São Paulo, Fortaleza e Poços de Caldas, convidando o público a revisitar a luta de Chico Mendes e seus companheiros, e a refletir sobre o futuro da Amazônia e dos povos que nela vivem.