O cinema brasileiro volta aos holofotes com O Riso e a Faca (I Only Rest in the Storm), selecionado para a mostra Un Certain Regard na 78ª edição do Festival de Cannes. Com direção de Pedro Pinho, o longa é uma coprodução entre Portugal, Brasil, França e Romênia — mas traz o DNA brasileiro pulsando em cada detalhe, da trilha sonora inspirada em Tom Zé ao elenco e equipe que representam o talento nacional.
Um filme que cruza fronteiras
Filmado entre o deserto da Mauritânia e a Guiné-Bissau, O Riso e a Faca é uma experiência sensorial e política. Inspirado em uma canção de Tom Zé, o filme parte de uma narrativa sobre colonialismo moderno e vai além, explorando identidades queer, relações de poder e um desejo que desafia convenções. O enredo gira em torno de Sérgio, um engenheiro português que chega à África Ocidental para trabalhar em um projeto rodoviário financiado por um consórcio internacional. Ali, entre corredores de ONGs e vielas poeirentas, ele conhece Gui (interpretado pelo brasileiro Jonathan Guilherme) e Diára, iniciando um triângulo que tensiona afetos e estruturas sociais.
Brasil no centro da criação
Mesmo sendo uma coprodução internacional, o filme conta com forte presença brasileira: 31 profissionais nacionais participaram do projeto. Tatiana Leite, da Bubbles Project, é uma das produtoras responsáveis, ao lado de nomes como Rodrigo Letier (Gabriel e a Montanha), Eduardo Nasser, Karen Akerman e Ivo Lopes Araújo. A produção enfrentou desafios como filmagens em película no calor africano durante a pandemia — mas a equipe seguiu firme, impulsionada por uma narrativa que pede entrega total.
Narrativa provocadora e estética afiada
Pedro Pinho, que já havia impressionado com A Fábrica de Nada (2017), retorna com um filme ainda mais ousado. A construção do longa se dá por fragmentos e múltiplas vozes, numa linguagem híbrida entre documentário e poesia visual. A estrada que liga deserto e selva é também metáfora para os conflitos entre o velho colonialismo e as novas formas de dominação global.
O filme provoca o espectador a olhar além da superfície: há tensão, silêncio, desejo e resistência. E no centro disso tudo, corpos que se tocam e se reconhecem em meio ao caos do mundo contemporâneo.
Cinema para sentir, refletir e resistir
O Riso e a Faca é mais do que um longa sobre um brasileiro no exterior — é uma obra decolonial que coloca o Brasil como protagonista de uma discussão urgente sobre identidade, pertencimento e poder. Com estreia mundial marcada para Cannes, o filme já gera expectativas sobre sua chegada ao circuito nacional.
Tatiana Leite resume o impacto da obra: “É um filme que transforma. Mal posso esperar para que o público brasileiro viva essa experiência.”