O palco do Sesc Pinheiros recebe, até 26 de abril, a montagem da peça A Língua Mãe, adaptação da obra do escritor espanhol Juan José Millás. Em cena, a atriz Monica Biel vive uma protagonista obcecada pelas palavras, que transforma uma suposta palestra sobre gramática em uma potente reflexão sobre os rumos da humanidade no mundo contemporâneo. A direção é de André Paes Leme, que conduz a montagem com precisão e sensibilidade, valorizando cada frase como um ato de resistência.
Humor, crítica e humanidade
Na narrativa, uma professora inicia sua apresentação com o objetivo de falar sobre gramática e a ordem alfabética, mas logo o discurso desvia para temas como o mercado financeiro, o consumo desenfreado e os paradoxos da liberdade em tempos de capitalismo voraz. As palavras ganham camadas — são armas, escudos, pontes. Entre pequenas histórias pessoais, segredos de família e observações sobre a linguagem, o espetáculo revela uma personagem que questiona não apenas o que diz, mas também quem escuta e como escuta.
A peça não é apenas uma defesa da gramática, mas uma crítica contundente ao esvaziamento de sentidos e ao uso ideológico da linguagem para manipular e distorcer a realidade. É teatro de ideias, mas com o calor humano de uma performance afiada, generosa e cheia de ironia.
A simplicidade como potência cênica
A encenação valoriza a palavra com uma proposta minimalista. O cenário é funcional, a luz precisa, o figurino direto e a trilha sonora discreta. Tudo contribui para que a atenção do público permaneça onde deve estar: no texto e na atuação. Monica Biel é o centro absoluto da cena, dominando o espaço com um domínio técnico que impressiona e uma entrega emocional que toca. Ela também assina a tradução e adaptação da obra, demonstrando intimidade com o material que interpreta.
Nas palavras do diretor André Paes Leme, A Língua Mãe é “um convite para que, provocados pelos significados das palavras, façamos uma viagem na memória. Inicialmente, parece apenas uma divertida narrativa sobre a gramática, mas aos poucos somos lançados numa perspicaz reflexão crítica sobre os posicionamentos políticos e econômicos da sociedade contemporânea”.
Um autor com palavras afiadas
Juan José Millás é um nome de peso da literatura espanhola, com obras traduzidas em mais de 20 idiomas. Conhecido por seu olhar ácido e humor sofisticado, Millás cria narrativas que misturam o cotidiano com o absurdo, fazendo de suas personagens espelhos desconfortáveis e necessários do mundo atual. A Língua Mãe mantém esse espírito, conduzindo o espectador a um riso que muitas vezes se transforma em silêncio reflexivo.
Uma atriz que vive o que diz
Formada por grandes nomes como Maria Clara Machado e Jacques Lecoq, Monica Biel tem longa trajetória nos palcos e entrega aqui um trabalho maduro e visceral. Além de atriz, é também tradutora e produtora da montagem. A paixão pelo texto e pelo ofício de dizer é visível a cada cena. Para ela, “o texto nos propõe entender que somos diferentes, que todos somos interessantes e que, com bom humor, tudo fica mais fácil”.
Última chance
Após passar por espaços do Rio de Janeiro como o Instituto Cervantes e o Festival Midrash, A Língua Mãe encerra sua temporada paulistana no Sesc Pinheiros nesta semana. São apenas mais algumas oportunidades para testemunhar esse espetáculo que, com leveza e acidez, nos lembra da força de uma boa palavra — dita no momento certo, da maneira certa, com a intenção de transformar.
Serviço
A Língua Mãe
Temporada: Até 26 de abril
Dias e horários: Quinta a sábado, às 20h (não haverá sessão dia 18/04)
Duração: 60 minutos
Classificação indicativa: 12 anos
Ingressos: R$ 50 (inteira); R$ 25 (meia); R$ 15 (credencial plena)
Local: Sesc Pinheiros – Rua Paes Leme, 195
Site: sescsp.org.br/pinheiros
