O vídeo-ensaio Paisagens do Fim, do pesquisador e crítico Carlos Alberto Mattos, explora o uso fascinante de cenários reais devastados em filmes de ficção, oferecendo uma visão detalhada de como ruínas e desastres moldam o cinema. Disponível gratuitamente no Vimeo, o ensaio se baseia no site-livro homônimo lançado por Mattos em 2021 e levanta questões sobre as “ruínas do presente” e a forma como personagens e tramas se desenvolvem em meio a paisagens que já testemunharam grandes tragédias.
Carlos Alberto Mattos busca entender até onde os cineastas podem ir ao criar ficções em cenários onde a destruição ainda ecoa. O autor percorre desde a era dos pintores renascentistas, passando por fotógrafos das grandes demolições urbanas, até a estética atual do “ruin porn” – fenômeno de usar ruínas como descanso de tela e cenário visual, que chega até nós em filmes e imagens. Em suas análises, Mattos investiga como a ficção atribui significado dramático aos locais devastados, enquanto esses cenários trazem à narrativa uma dimensão documental.
Como o Cinema Constrói Realismo nas Ruínas
Em Paisagens do Fim, cenas de 46 filmes mostram exemplos de guerras, desastres naturais e até destruições planejadas, como a inundação de cidades para a construção de barragens. Desde Alemanha Ano Zero, do neorrealismo italiano, até A Estrela Sussurrante, uma ficção científica do diretor japonês Sion Sono, o ensaio de Mattos cobre uma ampla gama de tratamentos cinematográficos. Filmes como Uma História de Água, de Truffaut e Godard, usam as ruínas com ironia e humor, enquanto o épico A Mundana, de Billy Wilder, encontra um tom mais dramático.
O objetivo do autor não era focar em documentários nem utilizar imagens de arquivo, mas observar filmes em que o drama está visceralmente integrado ao cenário real de destruição. “Escolhi apenas os filmes em que atores e tramas estavam organicamente incorporados às locações afetadas por catástrofes recentes”, comenta Mattos. Sua proposta era examinar como esses espaços acrescentam realismo à ficção e, por outro lado, como a narrativa intensifica o impacto emocional das locações.
Das Pinturas aos Pixel Art: A História das Ruínas na Arte
A atração pelas ruínas não é um fenômeno recente. Desde as pinturas renascentistas até o moderno “ruin porn”, o apelo das ruínas atravessa gerações. Mattos relembra que o fascínio pelo que resta após a destruição pode ser visto até mesmo num dos primeiros filmes dos irmãos Lumière, que filmaram a derrubada de uma parede. Essas imagens evocam uma reflexão sobre a fragilidade humana, ao passo que convidam o espectador a testemunhar o impacto do tempo.
Reações da Crítica e do Público
O vídeo-ensaio de Mattos recebeu reconhecimento entre cineastas e críticos. João Moreira Salles destacou a obra como “fascinante” e classificou a pesquisa como “extraordinária”. Eduardo Escorel elogiou a análise estética de cada filme, mostrando como a relação entre conflito humano e ruína se desenrola cena a cena. Outros críticos descreveram o projeto como “urgente” e “poético”, com Bráulio Tavares resumindo-o como uma visão “alternadamente angustiante e resignada da presença da humanidade no planeta”.
Carlos Alberto Mattos: O Curador das Ruínas
Com uma carreira consolidada no jornalismo e na crítica cinematográfica, Carlos Alberto Mattos é uma referência quando se trata de cinema documental. Além de Paisagens do Fim, ele dirigiu a videomontagem Taiguara: Onde Andará teu Sabiá?, sobre o cantor e compositor Taiguara. Em seu trabalho, Mattos sempre busca novos ângulos para as realidades duras e instigantes do mundo, seja nas telas ou fora delas.
Paisagens do Fim é muito mais do que uma coleção de cenas de destruição. É um estudo profundo sobre a forma como o cinema captura e transforma as cicatrizes do mundo em histórias de ficção que nos fazem lembrar, questionar e até mesmo sentir um fio de esperança em meio às ruínas.