Chegando aos cinemas, a produção nacional A Voz Que Resta saiu dos palcos do teatro para as telas do cinema. Monólogo em sua essência e adaptado com novas camadas, o filme traz Gustavo Machado e Roberta Ribas não só como diretores, mas também como atores. Filmado no apartamento de Gustavo, o longa apresenta um jornalista que reflete sobre seu caso de amor com a vizinha Marina e deixa uma mensagem em vídeo para ela.
Trazendo o texto rico de Vadim Nikitin, que também assinou a versão teatral, o filme impressiona pela forma como todo o contexto e a história estão na fala do jornalista em seus devaneios. Abusando de conexões e vocabulário refinado, o personagem narra sua relação em lamúrias ecoadas em um discurso que pode até dar voltas, mas sempre adiciona novos detalhes, explicando o porquê de ele estar ali agora.
Com uma equipe enxuta e classificada pelos realizadores como “um cinema de guerrilha”, A Voz Que Resta se concentra na atuação de Gustavo Machado, que carrega toda a narrativa enigmática, desafiando o espectador a montar as peças da história que está sendo contada.
A História
Paulo é um jornalista ácido e perdido em seus pensamentos. Perdido em sua própria casa, ele revive sua intensa história com uma mulher chamada Marina. Entre sentimentos de amor e ódio, vai lembrando de cada detalhe em uma mensagem que decide gravar para ela.
Em tempos de redes sociais, Paulo brinca que é mais analógico do que digital, preferindo falar a mandar mensagens no WhatsApp ou no Telegram. E é assim que ele se recorda dos momentos de amor tórrido com essa mulher, que vai ganhando contornos na tela.
Descobrimos que ela é garçonete, depois que é vizinha no mesmo prédio, que é casada e que ele até cumprimenta o marido dela no elevador. Tudo se constrói na narrativa de Paulo, que, entre a bipolaridade de seus sentimentos, relembra e apresenta sua história com Marina.
E é assim que descobrimos que foi ela quem tomou a iniciativa, que, mesmo tendo um caso com ele, nunca pensou em deixar o marido e que houve uma vez em que fizeram amor tão intensamente que o prédio todo reclamou e ela voltou roxa para casa.
Nessas idas e vindas, Paulo ironiza sua própria profissão, tentando usar um vocabulário mais rebuscado, recorrendo a um dicionário Aurélio, no qual até encontra o significado do nome dela.
Mas o que Paulo realmente pretende ao reviver toda essa história com Marina?
Opinião
Ao levar um monólogo para o cinema, A Voz Que Resta é ousado ao manter o espectador atento à atuação de Gustavo Machado. Com um ótimo texto, você se vê imerso na tentativa de entender se ele vai ou não revelar como chegou ao estado lamentável em que narra a história, o que instiga a ver mais e mais do filme.
Utilizando luzes vermelhas e azuis, o longa faz com que o cenário pouco importe, servindo apenas como base para ouvirmos a história de Paulo. O ambiente só se torna relevante pelos instrumentos que ele usa para construir sua narrativa, seja o dicionário, os discos, os livros ou a câmera.
Diferente da peça de teatro, para adicionar novas camadas à história, parte da narrativa inclui flashbacks de cenas intensas com Marina, dando-lhe um rosto e um corpo na tela.
Devo confessar que este é um filme para quem gosta do diferente e está longe de ser para todos. Não apenas por ser um monólogo ou intimista, mas também pelo modo como constrói sua história. É intrigante, mas destinado àqueles que estão abertos a um cinema fora das convenções.
Gustavo Machado consegue prender o espectador e parte desse mérito está no texto, repleto de sacadas geniais, com uma certa ironia e um toque ácido característico do personagem.
A Voz Que Resta traz boas surpresas em sua narrativa e é intenso em sua maneira de contar a história. Vale a pena assistir se você procura algo diferente, principalmente pelo seu texto e pela forma como a narrativa ganha vida na tela.
Nota: 3,5 (de 5)
A Voz Que Resta
Direção: Roberta Ribas e Gustavo Machado
Roteiro: Vadim Nikitin
Idealização de projeto: João Godoy
Produção executiva: Roberta Ribas, João Godoy, Cao Quintas, Gustavo Machado e Bruna Lemela
Montagem: Alexandre Cruz, V.E.S e Roberta Ribas
Trilha sonora: Teco Fuchs
Sound design e mixagem: Filipe Magalhães e André Magalhães
Direção de produção: João Godoy
Coordenação de Produção: Cao Quintas e Yeda Mariani
Direção de fotografia: João Victor Oliveira
Produção de arte e objetos e Assistência de produção: Luana Guimarães
Captação de áudio: Kleber Martins
Organização de material bruto e montagem inicial: Ale Padilla
Correção de cor, efeitos visuais e finalização: Alexandre Cruz, V.E.S
Distribuição: Pandora filmes
Gênero: drama
País: Brasil
Ano: 2024
Duração: 102 min
Agradecimentos a Pandora Filmes pelo convite para assistir o filme para produção deste conteúdo