segunda-feira, dezembro 23, 2024
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Vivendo no Japão #09: Você já assistiu esse mangá?

X-Men_Anime_SliderCalma! Eu não sou aquele seu parente que te dá uma cartela de figurinha do Bakugan de amigo secreto porque viu aquele pôster do Naruto, Dragon Ball ou Cowboy Bebop no seu quarto (ou como essa pessoa apelida carinhosamente esses deseinhos de japonês). Antes que caiam matando pelo título do texto, senta, respira, toma uma xícara de café e vamos conversar sobre os termos que envolvem o universo dos mangás. Pra quem não viu, na semana passada eu decidi entrar nesse assunto mais “interno” à minha pesquisa, e coloquei em questão o termo otaku e outros conceitos que giram em torno dele. Hoje vou trazer um pouquinho sobre o como é usada a palavra Mangá no Japão, e uma discussão rápida sobre os principais gêneros (demografias). Assim como na semana passada, não entrarei muito em mérito de origem da palavra e etimologia, pra quem tem interesse devem ter centenas de artigos em livros, revistas e sites explicando os kanjis e a origem do termo e tudo mais. Eu estou aqui para falar sobre uso.

Basicamente, qualquer pessoa com alguma experiência em relação a animações e quadrinhos japoneses pode dizer que mangá é um quadrinho japonês, e animê (sim, eu tenho necessidade de marcar a acentuação, porque me dói ouvir pessoas falando aNIme) é uma animação japonesa. Somente um poser ou desinformado faria a pergunta do título, correto? Hum… não é bem assim. Primeiramente, no Japão a palavra animê, abreviada do inglês animation, diz respeito a qualquer animação, não importa sua origem. Assim como mangá é um termo geral para histórias em quadrinhos. Ou seja, um japonês olha para um Superman, um Sandman e um Persepolis e os chama de mangá. Isso é algo que tenho me deparado muito em minhas pesquisas e aulas de mestrado sobre quadrinhos. Geralmente, quando há uma necessidade de especificar eles chamam de “manga ocidental (西洋マンガ)” ou especificam o país, como “nihon manga”, para se referir às obras japonesas, ou ainda, em pesquisas especificas sobre o quadrinho francês, por exemplo, pode ser que o autor opte por usar o termo original em francês bande dessinée.

Você deve estar pensando “mas continua errado falar assistir um mangá”. Pois é, mas além de se referir aos quadrinhos estrangeiros como mangá, ainda é bastante comum que japoneses usem a palavra mangá para se referir a animês, devido à associação quase que automática entre os dois universos. No caso, é um uso um pouco menos frequente, mas ainda assim perfeitamente natural e que não causa nenhuma confusão. O falante tem a noção de usar apropriadamente um ou outro de acordo com o contexto. Por exemplo, numa aula em que estamos discutindo a adaptação de animê de Fullmetal Alchemist, se alguém usar o termo mangá, será se referindo à história em quadrinhos no qual se baseia.

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Mas e agora? Como vou saber usar os termos? Veja bem, eu estou apenas falando sobre o uso desses termos no Japão. Porém, o ponto que quero chegar aqui é, quando usamos a palavra mangá no Brasil, não estamos falando em japonês, não temos a bagagem linguístico-cultural de um japonês e nem o nosso interlocutor. Por isso, temos que ter consciência que o termo mangá em português é uma palavra “nossa”, que adquire novas configurações de acordo com a nossa necessidade. Assim, quando usamos o termo, não estamos nos referindo a quadrinhos de um modo geral. Também, gostaria de defender um ponto de vista que tem muitos adeptos e outros tantos críticos. De que o “mangá” não se refere à história em quadrinhos escrita e publicada no Japão ou por um autor japonês, mas sim a um estilo de narrativa gráfica, que possui uma série de características artísticas. O que estou defendendo aqui, é a ideia de um “mangá brasileiro”, ou “mangá australiano”.

Nesse quesito de estilo narrativo, saindo um pouco do assunto dos mangás, sinto necessidade de expressar meu descontentamento ao ver algumas editoras lançando edições de luxo de certos quadrinhos e chamando de Graphic Novel. Graphic Novel é um gênero, um movimento artístico, não um formato editorial. Sandman pode ser impresso em papel higiênico que vai continuar uma Graphic Novel, enquanto aquele quadrinho seriado da linha principal do Superman não se torna uma Graphic Novel só por ser impresso num papel melhor e ter um melhor acabamento do livro. Isso é, obviamente, uma estratégia editorial de marketing, porque chamar o material de Graphic Novel faz ele parecer mais “sério”, “adulto” e “digno” do que chamar de HQ ou comics (que é o que ele realmente é). Claro, há Graphic Novels de super herói, como alguns do Batman (do Frank Miller e do Alan Moore), mas eles são escritos com essa linguagem própria deste gênero e são esteticamente diferentes do padrão dos quadrinhos de super-herói.

E é nessa mesma esteira do usar um termo que faça a obra soas mais “digna” que quero finalizar este texto com uma crítica a respeito do modo como os gêneros do mangá são entendidos no Brasil. Já ouvi coisas como é “shoujo, mas tem batalha”, “é shonen, mas é tão bom que parece seinen”. Primeiramente, muitos devem estar cientes que os mangás no Japão são predominantemente publicados por capít  ulos em grandes revistas semanais, mensais, bimestrais, etc, onde diversas séries são lançadas juntas. Assim, as classificações demográficas dos mangás (que às vezes chamamos de gêneros), dizem respeito ao público-alvo destas revistas. Ou seja, um mangá shonen, é um mangá publicado numa revista que tem a faixa shonen (garotos em idade escolar) como seu público-alvo, isso não quer dizer que esse seja o publico efetivo daquela obra. Muitas vezes acontece de um mangá até mesmo mudar de revista ao se perceber que seu leitor real não corresponde ao público-alvo da revista. Como é o caso de diversas obras shonen “limítrofes” (ou seja, que tem um maior apelo para o público mais velho dentro da faixa estipulada para o shonen – colegiais, por exemplo), que acabam migrando para uma revista seinen, como aconteceu com Jojo, Bastard e Vinland Saga. Nesses casos o leitor da obra acaba indo para a nova revista e conhecendo outras obras que podem agradá-lo, e o leitor fiel da tal revista tem a chance de conhecer a obra que talvez ele não conhecesse por não acompanhar a revista shonen.

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No entanto, é muito comum que o seinen seja tratado como mais maduro ou mais evoluído do que o shonen, assim como o josei em relação ao shojo. Também, muitas vezes se tem a imagem de que o seinen é a casa de tudo aquilo que o leitor mais novo não pode ver, ou seja, que tem histórias mais violentas e explícitas. De fato, há muitos seinens que apresentam sangue, entranhas e cenas de sexo de forma mais direta do que é possível expressar num shonen. Mas, o que se deve ter em mente é que um seinen não é apenas aquilo que não pode entrar em shonen, mas muitas vezes, coisas que não interessam ao um garoto de 12 anos, mas que pode interessar um de 17. É uma questão de cativar o interesse e a identificação do leitor. Por isso que, pode soar estranho, mas é perfeitamente compreensível notar que K-on, por exemplo, é uma mangá seinen. Ainda há muitos outros detalhes que eu poderia acrescentar para fortalecer meu ponto, mas por hora vou deixar apenas a reflexão de que, assim como nem sempre um adulto age com mais maturidade do que um colegial, nem sempre um seinen é “melhor” do que um shonen. Afinal, eu duvido que um número grande de pessoas tenha argumentos para discordar se eu disser que Fullmetal Alchemist é melhor, mais profundo e maduro do que K-ON. Esse tipo de visão discriminatória dos gêneros é o tipo de “preconceito” que não leva a lugar nenhum. Você pode perfeitamente gostar mais de seinen, assim como pode gostar mais de josei, de shoujo ou de yaoi, mas não confunda um gosto pessoal com um conceito de qualidade. Há elementos internos em uma história que mede suas qualidades.

Espero pela opinião de vocês sobre esses termos. Vamos dialogar, debater e aprofundar o entendimento dos conceitos todos (até porque é muito proveitoso pros meus estudos poder refletir aspectos sobre pontos de vista diferentes). Lembrando que os argumentos que usei aqui dizem respeito à linha de pensamento e estudos que eu sigo, e que podem haver outras linhas que entrem em conflito com esta.

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PS. Minha obsessão da semana não poderia ser outra senão: Star Wars- Episódio VII: O Despertar da Força. Desde que começou a promoção mais intensa do filme, com vários canais do Youtube divulgando, e os produtos relacionados ao filme invadindo as prateleiras até do super mercado, aqui no Japão, eu entrei no hype. Aí esta semana, resolvi colocar os animês da temporada de lado e refrescar a memória reassistindo a trilogia mais antiga, que eu não assistia há uns 12 anos. Com isso meu Hype só foi crescendo até explodir assistindo o filme no cinema ontem. Não vou entrar em nenhum spoiler pra não estragar a surpresa de quem ainda não viu, mas tenho que dizer que os “fanservices”, os elementos dos filmes anteriores que foram resgatados, me arrepiaram. Quem ainda não viu, o podcast dessa semana foi sobre o filme, corre lá.

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Rafael Vinícius Martins
Rafael Vinícius Martinshttps://daisukeinkyoto.wordpress.com/
Jovem otaku/geek/nerd, mestrando em Literatura Comparada na Universidade de Kyushu, tendo como foco culturas de massa (animê, mangá, light novel). Membro do clube de acapella HarmoQ, e viciado em livrarias e lojas de produtos de animê. Facebook: https://www.facebook.com/daisuke.h0j0 Instagram: @daisuke_h0j0

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